Light Steel Frame: a industrialização da construção civil no Brasil

Por: Letícia Gabriela Silva Barros

Sabe-se que a maior parte das construções civis, no Brasil, são feitas de forma considerada artesanal, ou seja, as partes de concreto e alvenaria, por exemplo, precisam de fôrmas, gabaritos e argamassa, esses insumos dependem da precisão e da habilidade humana durante a execução e consequentemente tendem a serem inferiores comparados com sistemas industrializados onde já está tudo fabricado sob medida. Isso acarreta um grande desperdício de materiais, uma vasta mão de obra e um tempo elevado de produção. Comparando as construções convencionais com construções civis industrializadas, essa última sairia em vantagem, pois envolve o trabalho de máquinas na fabricação e ferramentas na montagem que produzem em um ritmo acelerado e possuem melhor aproveitamento dos materiais.

O Light Steel Frame (LSF) consiste em um sistema industrializado que foca na construção de edificações contendo seu “esqueleto” todo em aço galvanizado leve. No Brasil, a etapa estrutural das edificações costuma ser feita de concreto armado, mas esse arranjo gera muitos resíduos, tem um grande peso próprio e a demolição de uma edificação com essa estrutura, regularmente, é inviabilizada por gerar um alto custo. Devido a isso, o interesse pelo sistema tem crescido com o intuito de inovação no país.

A prática de utilizar aço em construções é bem antiga, registros indicam que em 1779 o aço começou a ser utilizado. A ponte sobre o Rio Severn, na Inglaterra, foi a pioneira para todo esse universo, porém o custo desse material era muito alto, fazendo com que os investimentos sobre ele fossem deixados de lado. No Século XIX, a Indústria do Aço, nos Estados Unidos, foi desenvolvida e reativou o interesse de tal elemento, impulsionando a primeira edificação em Light Steel Frame. Após a Segunda Guerra Mundial, houve um avanço na economia americana, possibilitando mais uma opção de construção além da Wood Frame (que é a principal forma de construção dos EUA). Já no Japão as primeiras edificações em LSF surgiram com o fim da 2° GM, milhares de casas foram destruídas com bombardeios e a madeira, que era o material mais usado, havia sido um agravante para a quantidade de incêndios na época. Com isso, o uso do aço foi uma opção extremamente eficiente, porque garantiu mais agilidade para o processo de reconstrução e evitou que grandes incêndios fossem repetidos. No Brasil, o Light Steel Frame  iniciou em 1998, com o aço sendo utilizado para construções de médio e alto padrão com o intuito de romper regras culturais.

As aplicabilidades deste sistema podem ser voltadas para a área residencial, comercial e industrial. Por sua produção ser industrializada, o Light Steel Frame] permite uma versatilidade muito grande relacionado aos subsistemas (cobertura, revestimento, acabamentos, instalações etc.), não existindo limitação se comparar com os sistemas convencionais.

Esse método de construção é conhecido por “construção a seco”. Uma vez que, o consumo de água é mínimo se comparado com as outras formas de levantamento de estruturas. Ademais, outra característica do LSF é que ela é enxuta, ou seja, a quantidade de materiais, de equipamentos e mão de obra são mínimos, deixando o canteiro de obras limpo e colaborando para a sustentabilidade do ecossistema. Uma busca contínua por melhoria nos processos.

ESTRUTURA DO LIGHT STEEL FRAME

O arranjo convencional (concreto armado) possui como elemento estrutural as vigas, os pilares, as lajes e a fundação, que são elementos mais robustos e concentram muitas cargas em cada peça, isso significa que apesar de ter uma quantidade menor de elementos estruturais, as cargas são menos distribuídas. Já no Light Steel Frame, a quantidade de peças é muito maior (uma casa de dois pavimentos feita completamente com estrutura de aço leve pode ter cerca de cinco mil delas), significa que o peso é melhor distribuído. Outra diferença é que no concreto armado a estrutura propriamente dita serve só para a sustentação, sendo necessária a vedação (alvenarias), trabalhando de forma separada. No LSF os painéis de parede atuam como vedação e estrutura simultaneamente e trabalham em conjunto sustentando os painéis de laje e cobertura, caracterizando a estrutura como autoportante (figura 1).

Figura 1: Esquema típico de uma casa em LSF. Fonte da imagem.

Uma outra característica desse sistema é que ele possui estruturas alinhadas (In line framing), no Light Steel Frame as cargas precisam estar todas ordenadas, ou seja, a carga que chegou no telhado tem que descer em linha reta coincidindo cada montante evitando desvio e transmitindo esforços da maneira correta para a edificação, evitando possíveis desmoronamentos (figura 2).

FIGURA 2: Caminho das cargas. Fonte da imagem.

Ademais, a curva de aprendizado da montagem é facilitada se comparado com as outras técnicas de construção, pois as estruturas são formadas por meio de chapas que após conformadas a frio constituem dois tipos de perfis mais comuns, em U e em Ue (esse último possui uma leve dobra no fim). Basicamente, as lajes, os telhados e as paredes da edificação podem ser feitas usando esses dois perfis, variando apenas o tamanho, a largura e a espessura deles. Além disso, toda a estrutura e a ligação dos painéis são parafusadas, isso é feito utilizando um tipo de parafuso autobrocante que funciona como broca e rosca. Os rebites (fixador mecânico metálico) também podem ser utilizados, mas não são muito comuns.  Já a fixação na fundação é comum usar o parabolt, um tipo de parafuso que já contém a bucha e que tem a característica de ser bem resistente a arrancamentos. Outro atributo da estrutura de Light Steel Frame é que ela é flexível, ou seja, ela trabalha mais que uma estrutura de concreto, por conta disso ela ganha uma resistência maior a terremoto, no Chile, por exemplo, a maioria das casas são feitas de aço devido à sua localização no mapa.

A seguir será possível ver um pouco de algumas etapas da construção em Light Steel Frame:

Foto 1: Peças para a montagem. Fonte: LIMA, Gustavo de Mello. (2020)
Foto 2: “Esqueleto” montado em 3 semanas usando apenas parafusadeiras. Fonte: LIMA, Gustavo de Mello (2020).
Foto 3: Painéis do telhado em OSB.
Fonte: LIMA, Gustavo de Mello. (2020)
Foto 4: Light Steel Frame em conjunto com aço pesado. Fonte: LIMA, Gustavo de Mello (2020).

Na imagem abaixo é capaz de perceber um exemplo das camadas de uma casa finalizada. A construção em questão possui perfil, isolamento térmico, instalações, OSB seguido de placa de gesso resistente a umidade e revestimento cerâmico.

Foto 5: Camadas da parede com as instalações. Fonte: LIMA, Gustavo de Mello (2020).

VANTAGENS

  • Precisão na execução:

Por ser um processo industrializado, os elementos são feitos em fábricas que utilizam da tecnologia para fazer as peças, mantendo um padrão de medidas e evitando possíveis erros futuros.

  • Facilidade de montagem:

As peças são leves e padronizadas, o que diminui a curva de aprendizagem, facilitam a montagem, o transporte e o manuseio.

  • Rapidez de construção:

O canteiro de obra vira um local de montagem, diminuindo em até três vezes a quantidade de tempo para a finalização da edificação.

  • Segurança:

O aço é um material incombustível, isso significa que a possibilidade de incêndio é bem menor se comparado com as edificações de alvenaria. Além disso, essa estrutura é mais resistente a terremotos em regiões propícias.

  • Sustentabilidade:

Além da construção gerar pouco entulho durante o processo de montagem, o aço galvanizado e os outros insumos que são utilizados, como as placas de OSB e o gesso, são materiais recicláveis, o aço em especial, pode ser reutilizado e moldado quantas vezes forem necessárias.

  • Durabilidade:

As chapas são galvanizadas, isso significa que possui uma camada de zinco que impede a corrosão do material, dando a ele uma garantia de durabilidade muito maior.

  • Flexibilidade no projeto:

O projeto arquitetônico pode ter uma variedade bem maior devido as peças serem feitas em fábricas, possibilitando diversos moldes. Tal vantagem dá ao arquiteto mais opções para o uso da criatividade.

  • Facilidade nas instalações:

A parte elétrica e hidráulica são fáceis de instalar por não ser preciso ficar quebrando as paredes para colocá-las.

DESVANTAGENS

  • Limitação de andares:

Em algumas situações, fazer prédios com muitos pavimentos não compensa financeiramente utilizar o aço leve galvanizado. Usualmente as edificações são feitas em até quatro pavimentos.

  • Poucos profissionais especializados na área:

Por ser algo novo no brasil, a quantidade de mão de obra especializada é escassa, desde a etapa de planejamento e projeto até a execução.

  • Elevado custo:

Os valores de construção com Light Steel Frame costumam ser mais elevados devido à carência do ponto anterior. E a concentração dos insumos no sul e sudeste, por outro lado, nessas regiões, os valores finais são mais competitivos podendo ser equivalentes ou até mesmo inferiores às construções convencionais.

CENÁRIO DO LIGHT STEEL FRAME NO BRASIL

A preparação do mercado nacional para esse sistema precisa passar por algumas vertentes que serão vistas a seguir.

Normatização: Existe, segundo a ABNT, a norma técnica 14762:2010 de Dimensionamento de estruturas de aço constituídas por perfis formados a frio. Isso significa que o projeto de estruturas não é um problema no Brasil, porém não existe uma norma de sistema como um todo e por mais que os engenheiros conheçam as técnicas baseados em experiências de outros países, a falta de normatização para o projeto geral dificulta o financiamento da obra, porque os bancos públicos (que oferecem melhores taxas de crédito) consideram o LSF como um sistema inovador. Conquistar a normatização é muito importante, pois por ser um sistema que o processo de construção é considerado rápido, é preciso comprar os materiais em um curto intervalo de tempo, necessitando um grande investimento inicial. Com a normatização geral, o financiamento seria possível de forma mais fácil.

Insumos: No Brasil existem quase todos os insumos necessários e a oferta deles está crescendo. A todo momento fabricantes novos estão surgindo, o que é um ponto muito positivo para fortalecer a adaptação do LSF no Brasil.

Procura: Nos últimos cinco anos a quantidade de solicitações de projetos aumentou bastante, as pessoas têm percebido que vale a pena e que tem vantagens nesse sistema. A procura cresce principalmente na região Sul, isso acontece porque quase todos os fabricantes estão localizados nessa região. O LSF está em uma curva ascendente.

Dificuldades: Como já foi citado, a normatização é um problema para conseguir financiamentos para essas obras. Outrossim, a concentração de produtos em uma determinada região eleva o preço da construção, um exemplo é o que acontece no Norte e Nordeste, que por ter poucos fornecedores nessas regiões, os consumidores ficam menos interessados. Ademais, a barreira cultural também é um problema, já que as pessoas ficam receosas com o sistema por ser recente no país, mas esse cenário está sendo modificado.

O Gustavo de Mello, engenheiro civil responsável e proprietário da GM Steel Frame, falou um pouco sobre sua visão diante desse cenário no Brasil:

“A adoção do Light Steel Frame no Brasil vem crescendo em todos os setores e regiões, não deixando mais dúvidas de que o sistema veio para ficar. Acredito ser apenas questão de tempo para se tornar um dos sistemas mais procurados. Por outro lado, existe uma enorme responsabilidade por parte dos construtores em executar corretamente todas as etapas para não cairmos em descrédito. No Ceará, apesar de poucos conhecerem já existem obras em LSF, comprovando o enorme potencial do sistema. Pouco a pouco vamos contribuindo para uma nova realidade na construção civil, com mais eficiência, qualidade e sustentabilidade, tudo isso mantendo a competitividade frente a outros sistemas.”
– Gustavo de Mello

Após analisar o contexto histórico de Light Steel Frame, saber sua parte estrutural, observar as vantagens e desvantagens desse  sistema e entender mais sobre o seu cenário no Brasil, é possível perceber que essa é uma inovação para as construções civis que costumavam ser de forma considerada artesanal e que levava muito tempo para a sua conclusão. Utilizar LSF é pensar em industrialização, inovação e sustentabilidade. Conseguir a normatização geral será um grande passo para esse sistema ascender e gerar interesse nos fornecedores para se instalarem em todas as regiões do país, aumentando, então, o número de consumidores adeptos a esse sistema.


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