Mudanças climáticas e aquecimento global: a vulnerabilidade das cidades brasileiras

Escrito por: João Vítor Monteiro de Paulo.

Os efeitos da irresponsabilidade do homem com a natureza já podem ser sentidos por pessoas de todo o globo, através da apresentação, cada vez mais constante, de eventos climáticos antes incomuns. A mudança do clima já é um fato e configura o maior e mais complexo problema ambiental da atualidade, preocupando líderes de estado, ativistas, pesquisadores e uma parcela da sociedade civil.

Esses eventos não são isolados e podem se manifestam por meio de verões extremamente quentes, secas prolongadas, chuvas torrenciais e índices pluviais muito acima da média. Neste verão, o oeste do Canadá registrou temperaturas próximas aos 50° C, na Alemanha, na Bélgica e na Holanda, duas centenas de pessoas morreram em decorrência de enchentes devastadoras e a província chinesa de Henan foi atingida, em apenas três dias, por um volume de chuva que cairia ao longo de quase um ano.

No Brasil, a situação não é diferente. Uma onda de frio extremo impactou as regiões Sul e Sudeste nas últimas semanas, enquanto o país enfrenta a maior crise hídrica do registro histórico. O que evidencia sua precária capacidade de se proteger e responder às mudanças climáticas globais.  

Fonte: G1, 2021.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que as emissões antropogênicas de Gases do Efeito Estufa (GEE) são provavelmente a principal causa do aumento da temperatura desde meados do século XX e, portanto, a maior responsável pelo desequilíbrio ambiental vigente. A previsão para o final do século seria um aumento de 2,6 a 4,8 graus Celsius na temperatura média global, com incremento de 0,45 a 0,82 metro no nível do mar.

A comunidade científica reconhece que as cidades serão as maiores prejudicadas pelas mudanças climáticas decorrentes das atividades humanas. Ao passo que as responsabiliza pelo consumo de mais da metade da energia primária mundial, com a consequente emissão de gases do efeito estufa, o que contribui para o agravamento do aquecimento global.  

Contribuições das cidades para o aquecimento global

A organização das Nações Unidas (ONU) estima que até 2050 o Brasil terá 91% de sua população vivendo em áreas urbanas. Isso significa intenso investimento em infraestrutura nas grandes cidades, que devem se adaptar a chegada massiva de pessoas. Dependendo do planejamento urbano a ser adotado, poderão surgir impactos tanto positivos, com a utilização de modelos modernos e sustentáveis, quanto negativos, com a continuidade do crescimento descontrolado das cidades dos países pobres.

A urbanização e a construção civil são chaves para o combate ao déficit habitacional, contudo a escolha de matérias de construção convencionais, como o concreto, o aço e o asfalto, desconsidera a questão da intensidade de carbono. Em termos globais, só a produção dos materiais necessários para essas construções resultará, até meados do século, na metade das emissões permitidas de carbono, ou seja, cerca de 10 bilhões de toneladas de GEE.

            A concentração de pessoas em busca de bens e serviços, oportunidades de emprego e qualificação profissional, leva a outro grande vetor de emissão de GEE nas cidades: o setor de transportes. Isso pode ser explicado por meio do uso excessivo de veículos particulares na mobilidade tem enorme contribuição nas emissões urbanas. No caso do Rio de Janeiro, esse setor representou 42% de todas as emissões de gases de estufa da cidade, em 2012.

Fonte: Diário do Transporte, 2017.

Dessa forma, pode-se afirmar que as cidades sofrerão impactos significativos em quatro setores principais: o sistema local de energia; demanda e fornecimento de água e tratamento de esgoto; transporte e saúde pública. Tornando os centros urbanos foco dos esforços globais de mitigação e adaptação as mudanças climáticas.

Vulnerabilidade das cidades brasileiras

A vulnerabilidade é a medida de quão incapazes as cidades brasileiras são para lidarem com os efeitos adversos das mudanças climáticas. Seu conceito está relacionado as condições sociais, ambientais, econômicas e institucionais que determinam se uma sociedade está preparada para enfrentar e evitar crises ou se está condenada a sofrer as consequências.

            Os impactos decorrentes das mudanças climáticas deverão afetar o amplo espectro das funções, infraestruturas, serviços e edificações urbanas, de maneira inversamente proporcional ao seu grau de desenvolvimento, resiliência e adaptabilidade. Dessa forma, serão apresentadas, a partir de agora, as maiores vulnerabilidades dos principais setores de infraestrutura das cidades brasileiras.

  • Energia

As mudanças climáticas podem afetar a oferta de energia elétrica no país. De acordo com o Balanço Energético Brasileiro, 79,3% da energia elétrica gerada em 2019, é de origem renovável, sendo 59,9% hídrica; 9,4% eólica; 8,4% biomassa e 1,6% solar. Apesar de serem alternativas de mitigação as mudanças climáticas, essas fontes são extremamente sensíveis às alterações do clima, podendo ser potencializadas ou inviabilizadas, dependendo da região. Atualmente, o brasileiro enfrenta a conta de luz mais alta já registrada, reflexo do baixo nível de armazenamento de água nos reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por mais da metade da capacidade de geração do país.

            Outra vulnerabilidade é representada pelo sistema de transmissão e distribuição de energia. Devido ao sistema adotado no país, toda a energia é concentrada e distribuída por mais de 125 mil km de linhas de transmissão, predominantemente formada por linhas aéreas. Esse modelo favorece a ocorrência de blackouts, já que os longos trechos estão mais vulneráveis ao clima e a alta carga transportada dificulta o trabalho para resolver possíveis problemas.

Fonte: Fisenge, 2021.

  • Transportes

Os sistemas de transportes também poderão ser afetados pelas mudanças climáticas. Rodovias, ferrovias, portos e aeroportos em cidades de todo mundo correm o risco de sofrerem danos, interrupções ou redução de desempenho, prejudicando a mobilidade urbana e consequentemente a economia e a qualidade de vida da população. Na realidade das cidades brasileiras, caracterizadas por uma infraestrutura de transportes precária e onde o sistema de transporte coletivo é formado quase exclusivamente por ônibus, aumenta-se a vulnerabilidade às mudanças de condições meteorológicas e climáticas, as quais as cidades estão cada dia mais sujeitas.

  • Edificações
  • Os centros urbanos brasileiros foram marcados por um crescimento rápido e desordenado. Consequentemente, a especulação imobiliária das grandes cidades levou a ocupação de áreas de risco, altamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Em episódios de fortes tempestades, essas áreas são acometidas por inundações e desmoronamentos, intensificados pela maior quantidade de áreas impermeabilizadas e por sistemas precários de drenagem.

    Fonte: Mark Green/123RF, 2020.

    Outro ponto relevante é a questão do conforto térmico das edificações. A elevação da temperatura global, fruto das mudanças climáticas, abre precedentes para a análise do comportamento das residências ao calor intenso, sendo no Brasil, regulamentada pela norma ABNT NBR 15220, que trata do desempenho térmico das edificações. Levando em consideração a vulnerabilidade sociocultural, o Nordeste é a região brasileira mais frágil quanto ao conforto térmico.

                A resistência da infraestrutura urbana diante a eventos provenientes do aquecimento global é outra grande preocupação. Considerando que a infraestrutura das cidades brasileiras não foi planejada levando em consideração futuras alterações no clima, a degradação mais rápida de fundações e dos materiais de construção será mais recorrente. Altas temperaturas também influenciam nos processos de cura do concreto, que é sensível as variações climáticas; a intensificação dos raios ultravioleta provoca a destruição de estruturas de plástico; a dilatação térmica, bem como acelera a oxidação das tintas, o que eleva os custos de manutenção e reduz a segurança das construções.

    REFERÊNCIAS

    RIBEIRO, Suzana Kahn; SANTOS, Andrea Souza. Mudanças climáticas e cidades: relatório especial do painel brasileiro de mudanças climáticas. Rio de Janeiro: PBMC, 2016.

    Agência Pública. Relatório do IPCC comprova: o aquecimento global já está aqui. 2021. Disponível em: <https://apublica.org/2021/08/relatorio-do-ipcc-comprova-o-aquecimento-global-ja-esta-aqui/&gt;. Acesso em: 03 set. 2021.

    JURAS, I. A. G. M. Aquecimento global e mudanças climáticas: uma introdução. Plenarium, v. 5, n. 5, p. 34-46, 2008.

    Deixe um comentário