O NOVO MARCO DO SANEAMENTO: O CAMINHO PARA UMA SOCIEDADE MAIS IGUALITÁRIA?

Escrito por: Carolina de Souza Lopes

O desenvolvimento urbano acelerado mostra que a tecnologia pode mudar a realidade em instantes. Atualmente, edifícios cada vez maiores e mais modernos são construídos e aparelhos eletrônicos mais complexos são desenvolvidos, e isso reforça o fato de que o homem está sempre à procura de melhorar seu bem-estar e sua qualidade de vida. No entanto, todos esses avanços não atingem igualmente as camadas da sociedade, tornando-se evidente o contraste entre elas, uma vez que muitas pessoas não possuem acesso a serviços básicos como água e esgoto tratados.

Diante disso, a problemática do saneamento básico é bastante preocupante no Brasil, já que afeta majoritariamente a parcela mais pobre da sociedade, a qual vive em ambientes insalubres suscetíveis à propagação de inúmeras doenças. Segundo Leonetti et al (2011), começou-se a considerar o saneamento básico no Brasil como uma questão importante nos anos 1970, quando a visão predominante dizia que o investimento em saneamento básico era a chave para a diminuição da taxa de mortalidade. Nesse período, foi criado o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que enfatizou os índices de atendimento por sistemas de abastecimento de água, mas, no que tange à expansão do sistema de coleta e tratamento de esgoto, não trouxe resultados significativos. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2019, 34 milhões de brasileiros não possuíam acesso a rede de água tratada e mais de 93 milhões não possuíam acesso a esgoto tratado.

Pessoas andando na calçada

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: Exame, 2019.

Tais informações evidenciam que a expansão do setor do saneamento básico acontece vagarosamente, mostrando, historicamente, a negligência do Estado em ofertar para toda a população um dos direitos básicos previstos na constituição: a saúde. Assim, ratifica-se a necessidade de perceber a urgência da resolução dessa problemática, uma vez que as pessoas já esperaram demais para ter uma qualidade de vida em que elas tenham acesso a, pelo menos, o mínimo para sobreviver.

Atualmente, com o fito de solucionar essa dívida histórica, a Lei 14.026/2020, vulgo lei do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, foi sancionada e completou um ano de sanção em 15 de julho de 2021. A lei prevê que 99% da população terá acesso à água potável e 90% terá acesso a esgoto tratado até 2033, além de estabelecer novos parâmetros para drenagem urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos. 

ENTENDENDO A SITUAÇÃO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

De acordo com a Lei nº 11.445/2007, o saneamento básico é definido como o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, ao esgotamento sanitário, à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e à drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. Assim, ao oferecer essas condições mínimas, é possível prevenir doenças, melhorando a qualidade de vida da população. 

Sobre a disponibilidade da água no Brasil, a distribuição não é das mais uniformes, uma vez que 70% dos recursos hídricos se encontram na região amazônica, a qual abrange apenas 7% da população. A tabela abaixo mostra a disponibilidade de água por estado.

Fonte: EOS, 2018.

Além disso, uma parte significativa da água é perdida no sistema de distribuição, cerca de 38%, gerando um prejuízo de 11,5 bilhões. Esse número é assustador, visto que essa água perdida poderia abastecer completamente um país como a França.

Já sobre a coleta e tratamento de esgoto, apenas 50% da quantidade produzida é tratada no Brasil. Infelizmente, é um problema que possui certa dificuldade de ser resolvido, uma vez que não é reconhecida sua gravidade. Assim, a parte não tratada do esgoto é despejada na natureza. De acordo com a EOS, são listados como principais motivos para o não solucionamento da problemática o valor das obras e a dificuldade de implantação dos serviços.

O saneamento básico no Brasil em 6 gráficos | Aos Fatos

Fonte: Aos fatos, 2019.

A drenagem urbana, infelizmente, não acompanha o crescimento das cidades. Historicamente, as intervenções no setor da drenagem urbana foram negligenciadas desde 1970, e isso espelha-se ainda hoje, uma vez que a priorização do serviço ainda não acontece por falta de vontade política, recursos e revisão tecnológica. Pode-se dizer que existem algumas iniciativas e leis que tentam controlar, por exemplo, a ocupação e impermeabilização desordenada do solo.

Pessoas na rua em frente a água

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: CIVILIZAÇÃO ENGENHEIRA, 2016.

Ademais, quanto ao descarte dos resíduos sólidos, a situação também não apresenta bons números. De acordo com o estudo feito em 2019 pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), cerca de 40% dos municípios brasileiros não possuem locais apropriados para descartar seus resíduos.

Uma imagem contendo rocha, ao ar livre, rochoso, pilha

Descrição gerada automaticamente

Fonte: EOS, 2018.

A LEI DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO

A Lei 14.026/2020 foi implementada com o intuito de acelerar a expansão do sistema de saneamento básico, concedendo concessões para o investimento do capital privado. Como justificativa para abertura ao capital privado foi utilizado que, para atingir a meta de universalização dos serviços até 2033, os custos anuais para a sua ampliação chegariam a cerca de 70 bilhões de reais, orçamento que os estados e o Governo Federal não teriam disponível para investir no setor.

De acordo com a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), os principais pontos de alteração da lei foram:

1. A definição de um prazo para que metas de cobertura sejam atingidas, com 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033. Assim, o prolongamento do prazo é permitido, mas apenas até 1º de janeiro de 2040;

2. Alteração no nome da Agência Nacional de Águas, agora chamada de Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), juntamente com a designação de novas atribuições, objetivando a uniformização das normas regulatórias;

3. Estímulo à maior participação do setor privado e o aumento dos investimentos no setor do saneamento, incentivando a competição na prestação dos serviços;

4. Revisão dos contratos em vigor, ao exigir a atualização destes para estarem de acordo com os termos do novo marco;

5. Incentivo à prestação regionalizada dos serviços, objetivando obter ganhos de escala, garantir a viabilidade econômico-financeira dos serviços e o atendimento dos Municípios menores e menos atraentes do ponto de vista econômico. 

6. Incentivo à capacitação técnica dos municípios (titulares) e de agências reguladoras infranacionais, contribuindo para aprimorar a regulação local e a fiscalização da prestação dos serviços;

7. Criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), com o fito de aprimorar a gestão, em âmbito federal, do Plano Nacional de Saneamento Básico e da aplicação dos recursos federais em saneamento. 

Apesar da lei trazer mudanças que são importantes para o setor, como incentivos à concorrência, melhoria do ambiente regulatório, ênfase na prestação regionalizada, ainda não se nota avanços tão significativos na expansão do sistema de saneamento básico. Nesse contexto, percebe-se a dificuldade de implementação das novas propostas, as quais requerem muitos esforços principalmente da ANA para a promoção de um espaço legítimo na consolidação dos contratos.

Alguns estados, como Alagoas, Espírito Santo e Mato Grosso, avançaram em suas concessões no segundo semestre de 2020, fechando contratos que atendem às solicitações do Novo Marco. De acordo com a FIESP, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) possui projetos para melhoria na prestação de serviços de saneamento básico em pelo menos nove estados, entre eles o Acre, o Amapá, o Ceará e o Rio de Janeiro. Além disso, a Cedae, Companhia Estadual de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro, possui um plano de concessão que atende 47 municípios do estado. Assim, o conjunto desses projetos prevê investimentos de cerca de 50 bilhões de reais.

É válido salientar que após tais mudanças, é notório que o direito ao acesso à água e, consequentemente, ao saneamento básico, deixou de ser um serviço público essencial e se tornou um bem econômico. No entanto, espera-se que a nova lei proposta atinja suas metas tão rápido quanto prevê, de forma que finalmente as famílias brasileiras tenham acesso à água potável e esgoto tratado e possam viver de forma mais humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RIBEIRO, Júlia W. ROOKE, Juliana M. S. Saneamento básico e sua relação com o meio ambiente e a saúde pública. Orientador: Fabiano Leal. 2010. 36 f. TCC (Graduação) – Curso de Especialização em Análise Ambiental, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2010. Disponível em: < https://www.ufjf.br/analiseambiental/files/2009/11/TCC-SaneamentoeSa%C3%BAde.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.

COSTA, Rafiza N. P. PINHEIRO, Eduardo M. O cenário do saneamento básico no Brasil. Educação Ambiental em Ação. São Luiz, Maranhão. 2018. Disponível em: <http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=3523>. Acesso em: 29 ago. 2021.

LEONETI, Alexandre B. PRADO, Eliana L. do. OLIVEIRA, Sonia V. W. B. de. Saneamento básico no Brasil: considerações sobre investimentos e sustentabilidade para o século XXI. Revista de Administração Pública (RAP). mar./abr, 2011. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/rap/a/KCkSKLRdQVCm5CwJLY5s9DS/?lang=pt&format=pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.

VERDÉLIO, Andreia. Veja as pricipais mudanças no Novo Marco Legal do Saneamento. Agência Brasil, Brasília. 2020. Disponível em: < https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-07/veja-principais-mudancas-no-novo-marco-legal-do-saneamento>. Acesso em: 29 ago. 2021.

Organização e Sistemas Ltda (EOS). Qual a realidade do saneamento básico no brasil?. 2018. Disponível em: <https://www.eosconsultores.com.br/qual-a-realidade-do-saneamento-basico-no-brasil/>. Acesso em: 29 ago. 2021.

FÁVERO, Bruno. CUNHA, Ana Rita. O saneamento básico no Brasil em 6 gráficos. Aos Fatos. 2019. Disponível em: <https://www.aosfatos.org/noticias/o-saneamento-basico-no-brasil-em-6-graficos/&gt;. Acesso em: 29 ago. 2021.

LOPES, Esaú. Chuvas: problemas e soluções. Blog Civilização Engenheira, 2016. Disponível em: <https://civilizacaoengenheira.wordpress.com/2016/04/06/chuvas-problemas-e-solucoes/>. Acesso em: 29 ago. 2021.

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Análise: novo marco legal do saneamento básico. 2020. Disponível em: < https://www.fiesp.com.br/observatoriodaconstrucao/noticias/analise-novo-marco-legal-do-saneamento-basico/&gt;. Acesso em: 29 ago. 2021.Governo do Brasil. Marco Legal do Saneamento completa um ano. 2021. Disponível em: < https://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2021/07/marco-legal-do-saneamento-completa-um-ano&gt;. Acesso em: 29 ago. 2021

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